reaprendendo a me enxergar
por Beatriz Klein
desprender do meu tempo para me entender é um exercício que tenho feito mais vorazmente nos últimos dias. Gasto minutos da rotina corrida para sentar, ouvir meus próprios pensamentos e tentar racionalizar o que foi feito de mim, das minhas angústias, das minhas vitórias e das inconstâncias inerentes à existir no cotidiano.
acho engraçado como a simples ação de me permitir conectar comigo gera uma série de incertezas, ansiedades sociais e cria narrativas para o que foi e o que poderia ter sido dentro de mim. eu penso e repenso nas relações que estabeleci naquele dia e nas conversas que tive.
é incrível como é fácil se perder dentro de si quando se segue o caminho de se ver pelos olhos de outrem.
moldo meus trejeitos, refaço diálogos reais em novos, para ver se, de alguma forma, consigo compreender o que o outro viu em mim e o que ele sentiu das minhas ausências. Permito-me entrar numa espiral de insegurança e dúvidas quanto à mim.
faço isso sem ao menos ter uma empatia direcionada em compreender que quem me vê de fora, assim como eu, carrega as próprias bagagens emocionais, os muros sentimentais, traumas, alegrias, vontades, desejos, quereres, fracassos, medos, insuficiências e superlotação de sentires. O que eles vêem de mim não é necessariamente o que passo ao mundo que sou, mas sim o que eles querem acreditar ser minha essência, partindo do que eles entendem por ser parâmetros bons e suficientes.
exercícios longos assim drenam a minha energia, autossabotam, inserem sentimentos negativos em relações que deveriam ser puramente leves, roubam vivências de mim.
toda vez que me privo de estar presente completamente numa relação por causa de medo, deixo que um pouco da minha espontaneidade morra. crio um muro meu com o mundo. toda vez que ouço minha voz interna por meio de vozes externas, perco minha luz.
é necessário compreender que apenas eu sei o que é minha verdade, apenas eu posso moldar o que quero que eu seja. é necessário que eu entenda que eu sou a pessoa que, no fim das contas, estará ao meu lado. e é necessário, portanto, que eu seja a própria voz a dizer quem sou.
eu me permito desamarrar de nós criados pela sociedade que, desde pequena, me moldam em tamanhos menores que o meu. me liberto para que eu possa entender que as podas feitas por outros não devem deixar vazios eternos em mim. compreendo que aquilo que me foi passado de forma maliciosa não deve permanecer comigo.
eu reconheço que não há grandeza maior do que aquela vinda de quem apenas se permite ser
e que, por fim, não há nada mais vital do que conseguir perpassar as subjetividades patriarcais implementadas desde o momento de meu nascimento, me tornando a mulher que sempre fui determinada a ser.